CATÓLICOS do OESTE | Os judeus mudaram as Caldas da Rainha?

catolicos-do-oeste-e1480525558952“A santidade é o rosto mais belo da Igreja” 1 , diz-nos o Papa Francisco na exortação apostólica “Alegrai-vos e Exultai”, que aconselho vivamente a lerem, pela linguagem simples, mas reveladora das verdades da Igreja no mundo. A santidade é um chamamento, para que no exercício do nosso quotidiano descubramos o melhor de nós mesmos, o amor que Deus colocou em nossos corações para ser derramado no serviço ao próximo. O Papa incentiva-nos à firmeza em Deus, que ama e sustenta, à paciência e à mansidão que nos levam à humildade. Esta atitude pressupõe “um coração pacificado por Cristo, liberto daquela agressividade que brota de um ego demasiado grande”. 2 Exorta-nos à alegria e ao sentido de humor, de quem sabe que a “felicidade está mais em dar do que em receber”. Impele-nos à audácia e ao ardor de deixar no mundo a marca do amor de Deus, sem medo nem constrangimentos. Alerta-nos para vivermos em comunidade, porque juntos somos mais fortes contra o mal, já que a comunidade é chamada a criar o “espaço teologal onde se pode experimentar a presença mística do Senhor ressuscitado” Sem esquecer nunca a oração constante que nos conduz ao acolhimento, lembrando Santa Teresa de Ávila quando dizia “a oração é uma relação íntima de amizade, permanecendo muitas vezes a sós com Quem sabemos que nos ama”.
“Para ser santo, não é necessário ser bispo, sacerdote, religioso … Todos somos chamados a ser santos, vivendo com amor e oferecendo o próprio testemunho nas ocupações de cada dia, onde cada um se encontra” 4 . Esta santidade pode traduzir-se em pequenos gestos , ou em grandes gestos praticados por uma cidade inteira, em que o acolhimento salva produzindo riqueza e felicidade.
A este propósito, gostaria de expressar a minha gratidão para com os Caldenses, que num momento particular da nossa história, soubemos receber na nossa cidade uma onda de judeus que fugiam do extermínio nazi, durante a II Grande Guerra. Particularizado no testemunho da última refugiada em Portugal, mas que repete a história de tantos.
Renée Limberman tinha 16 anos quando teve de fugir com a família das tropas alemãs. Portugal foi a alternativa e partem para Lisboa. Na fronteira de Marvão recebem a má notícia de que o seu destino era as Caldas da Rainha. A cidade termal revelar-se-ia, porém, uma agradável surpresa. «Parecíamos parvinhas com os olhos muito abertos a olhar para as montras. Em França nem havia montras. Era tudo por senhas. Aqui estavam cheias de chocolates, bolachas. De repente caímos no paraíso. Nas Caldas havia de tudo e barato. Era um milagre!» A vida era aprazível para as centenas de estrangeiros que fugiam aos horrores da guerra. «Íamos ao café, ao parque, tomava-se um lanche, andava-se de barco no lago e nos dias bons pedia-se licença para ir à Foz do Arelho». É nesta altura que conhece o médico Costa e Silva que dava consultas aos refugiados. «Eu ia várias vezes ao consultório para servir de intérprete porque havia muitos fugitivos alemães e eu sabia alemão». O namoro começou aí e o casamento acontece em Setembro de 1945. Renée Costa e Silva fica. A última refugiada das Caldas morreu durante o sono a 16 de Outubro de 2005. Tinha 81 anos.” 5 Também Steven Spielberg, guarda no seu arquivo, curiosos e raros filmes da época, de judeus gratos pelo generoso acolhimento que receberam nas Caldas da Rainha. Caldas da Rainha floresce, com este gesto de acolhimento, em modernidade, em cultura, desenvolve-se economicamente, ganha visibilidade no mundo. Passa a ser uma cidade de gente mais feliz, porque são os leigos quem está no coração do mundo e são eles que têm um papel-chave para transformar a sociedade. A santidade é o rosto mais belo do amor e está ao alcance de todos.

Margarida Varela
paroquiacaldasdarainha@gmail.com
Artigo de opinião publicado na Gazeta das Caldas na edição nº5227
Sexta-feira, 25 de Maio de 2018